domingo, 27 de janeiro de 2013

Parte 2


Olívia vivia em seu mundo escrito, onde era tudo, era todas. Seus vários cadernos empilhados na sala de estar contavam histórias de quando foi uma cantora vivendo no luxo e na riqueza. Tinha tudo que o dinheiro podia comprar mas não tinha dinheiro, ganhava tudo de seus “admiradores” sedentos por um lugar neste tão cobiçado círculo dos artista. Alexandra, a artista, morreu afogada em dívidas e álcool. Já Melinda vivia rodeada de casos sexo-afetivos e amorosos complicados. Conheceu o homem que acreditou ser o amor que sempre procurou, os dois com a crença de um amor livre, sem contrato de exclusividade e na verdade sem cuidado e afeição. Aquele retrato de amor onde ele mesmo não existe, só seu nome encobrindo individualidade, luxúria e carência. Quando Melinda se nota com ciúmes some deixando apenas um bilhete sobre a cama, ao lado de seu amante adormecido:
“ ‘Deixe-me ir, preciso andar. Vou por aí à procurar, rir pra não chorar. Se alguém por mim perguntar, diga que eu só vou voltar quando me encontrar.’
Talvez isto demore, talvez não volte.
Com amor, Melinda.”

Olívia também foi Margo. Senhora que perdeu seu grande amor muito jovem e decidiu viver enclausurada até que sua neta em uma visita confunde suas pílulas de Ecstasy com os remédios da vó. Margo toma a droga, achando que eram seus remédios, entra em uma viagem e acaba morrendo em um surto psicótico. Margo vive em um quarto com ervas daninhas onde o armário que guardava suas roupas antigas rodopiava e dançava feliz. Quando tentou seguir o armário saltitante pela janela do apartamento que ficava no sexto andar, saltitou para debaixo da terra. Ah, Olívia gostava um pouco de exagerar...

domingo, 6 de janeiro de 2013

Olívia


Parte 1


Toda vez que ela olhava para um papel em branco a ideia de escrever vinha à sua cabeça. Mas quem leria coisas tão simples e mal descritas? Essa era a dúvida que assombrava a mente de Olivia.
Olivia. Menina quase crescida com muito na cabeça e pouco no olhar, ou até demais no olhar, isso era uma questão de ponto de vista. Tudo parecia se virar à sua volta e ela, pobre menina quase crescida, se via parada. Ponto de vista. Afinal à nossa volta tudo se move mas nós, estando em nossos corpos e com nossos olhos, estamos parados. Mas a sensação de estagnação que parecia mata-la. Correr como maratonista em uma esteira, o simples fato de andar muito e chegar à lugar nenhum. Sim, Olivia sentia grande dor de ficar presa ao chão, mas não seria esse o fardo da sua geração?

Era um dia claro, o sol invadia suas pálpebras fechadas e tornava as cortinas brancas inúteis. Seguindo sua rotina tediosa Olivia fez o de costume. Sua vida certamente não era um dos filmes que tanto adorava. Essa menina não era nenhuma Amelie Poulain. Era rica, de cultura e de dinheiro, mas não era a mulher sofisticada, importante e profunda que desejava.  A menina quase crescida estava vivendo uma fase de férias permanentes desde que passou para a faculdade de Direito que os pais tanto sonhavam e trancou sua matrícula para “descobrir o que a vida poderia apresentar-lhe”. Tinha poucos amigos então passava muito tempo sozinha no lugar que ela fez o mundo: seu apartamento. Um imóvel dos pais que não era alugado há alguns anos, todos sabem bem quanto custa viver no Rio de Janeiro hoje em dia. Demais.
Olivia fazia do nada tudo. Era seu tempo de reflexão. Era para ser um tempo de reflexão, mas, na verdade era tempo de dançar sozinha na sala de estar, passear com o cachorro e ver séries e novelas pensando como seria o mundo lá fora, como seria sua vida lá fora. Talvez a menina não fosse tão rica de cultura como aparentava. Com seus dezenove anos ela tinha tudo que alguém poderia querer, poderia ter qualquer coisa material que quisesse, se não fosse uma grande extravagancia afinal seus pais ainda tinham que educa-la, mas sentia não ter nada. O que tinha, com certeza absoluta, era a sensação de ser apenas matéria. A sensação dos pobres jovens ricos da ausência total e absoluta de alma e motivo.

À noite Olivia se chateava. Toda noite Olivia olhava pela janela, ouvindo a rua, fechava os olhos e se colocava na pele de outros. “São uns imbecis, estúpidos” mas como queria ser estúpida como eles. Seu pai costumava falar que gostaria de ser mais ignorante pois assim seria mais fácil ser feliz. Uma dose de ignorância torna a vida mais fácil. Pensar em como deixar a bunda dura até os cinquenta e qual cumprimento de roupa separa o sexy do vulgar ao invés de pensar incessantemente nos dilemas do universo deve facilitar a vida de qualquer um. A não ser que bunda caída se torne um dilema tão profundo que ocupe todo o espaço e tempo que o cérebro tem disponível. Ainda sim, são maneiras de enxergar o mundo.